Não me recorda se alguma vez mencionei isto aqui no Reino mas o meu Pai nasceu e foi criado em Moçambique. Vindo para Portugal apenas devido ao 25 de Abril... aliás aqui em casa brinca-se que se não fosse o 25 de Abril, os meus pais não se conheciam e nós muito provavelmente não existíamos.
Então, é normal o meu Pai contar imensas histórias de Moçambique: coisas que costumava fazer, brincadeiras que inventava, os amigos da vida airada, a sua antiga casa com uma bananeira no quintal, o cão que atropelava pessoas... entre muitas outras aventuras.
Contudo, a que vou contar hoje foi num momento da vida dele em que nem consigo imaginar o que sentiam. Não sei se têm esta noção mas quando o 25 de Abril aconteceu, nas colónias os portugueses sofreram bastante perseguição, muitos abusados, vendo os seus bens retidos ou roubados e muito mais. Ou seja, além de serem expulsos dos seus lares, muitos foram para Portugal com a roupa do corpo ou pouco mais.
Esta história conta como é que o meu Pai conseguiu levar um pouco dos bens da minha família para Portugal. Como expliquei, devido à perseguição que foram sujeitos, o meu Pai e os meus avós tiveram que sair de Moçambique o quanto antes. Graças a outros familiares, os meus avós conseguiram trazer para Portugal algumas coisas da casa (móveis, fotografias, etc) num barco e o meu pai ia ter com eles de avião uns dias depois.
Nos dias em que esteve sozinho, viu o início da destruição. Lojas pilhadas, casas a arder, edifícios vandalizados... provavelmente devido a ter visto o "início do fim", é por isso que nunca mais quis voltar. Diz ele que prefere manter as memórias douradas da sua terra natal, linda e esplenderosa.
Numa tentativa de levar um pouco do dinheiro que tinham no banco (que o meu avô trabalhou arduamente para o ter), o meu pai foi a uma Ourivesaria e comprou uns fios de ouro. Peças de joalharia que se a pessoa estivesse a usar, eram das poucas coisas que quando passavam na segurança do aeroporto, não era confiscadas. Dinheiro na mala ou carteira? Confiscadíssimo. Até volumes de tabaco! E vocês perguntam: então mas o dinheiro era deles, porque é que confiscavam? Pois... infelizmente essa altura não foi muito justa para com as pessoas que viviam nas colónias e os "locais" consideravam que o dinheiro (ou quaisquer outros bens) dos portugueses, lhes pertenciam.
Portanto, com um par de fios de ouro, tinha o resto do dinheiro para tentar trazer... o que é que o meu pai fez? Pegou no maço de tabaco que tinha, tirou metade dos cigarros e colocou-os de lado. No espaço dos cigarros, com a paciência que só o meu pai sabe ter, enrolou as notas de tal maneira que ficavam do tamanho dos cigarros. Fez isso a várias notas e meteu no maço aquilo que conseguiu.
Fez a mala, colocou roupa e outras coisas que possivelmente não seria confiscadas... e colocou o maço precioso onde? No bolso da camisa que estava a vestir!
Sim meus caros súbditos, o meu pai levou uma fortuna ao peito e à vista de todos! O maço estava visível e sendo um daqueles maços em que se abre só num lado, o que se via eram os cigarros que o meu pai manteve na parte da frente.
Na segurança do aeroporto, onde as pessoas que estavam a confiscar os bens (com metralhadoras para impor respeito), revistaram o meu pai, deixaram passar os fios e, depois de inspeccionar a mala, o segurança aponta para o maço de tabaco. O meu pai depois de ter visto tantos volumes de tabaco a serem confiscados, diz isto:
"É tabaco para aguentar a viagem." - pega no maço, agita para sair um cigarro e aponta para o segurança. "Queres um?"
O segurança diz que não, que não fuma e deixa passar o meu pai! Parece impressionante mas a história não acaba aqui... Já no avião, uns senhores sentados ao lado do meu pai, começam a abrir as malas e a tirarem a pasta dos dentes.
Ora bem, naquela altura a pasta dos dentes vinha numa embalagem de um certo metal e dava para abrir no fundo. Então, abrem o tubo da pasta dos dentes e começam a tirar pedacinhos de plástico de dentro, que o meu pai repara que continham notas dobradas lá dentro.
O senhor que estava nestes preparos vira-se para o meu pai e diz que aquela maneira foi o que lhe ocorreu para tentar levar algum dinheiro com ele, enquanto que o volume de tabaco acabou confiscado.
Ao qual o meu pai, muito calmamente, tirando o maço de tabaco do bolso frontal da camisa, abre-o, tira o dinheiro enrolado e oferece uns cigarros ao senhor.
"Epá, como é que não me lembrei disso!!"
O meu pai diz sempre: "Vocês deviam ter visto, o senhor tinha as mãos cheias de pasta dos dentes e a cara dele disse tudo! Além de que nunca viajei num avião com um cheiro tão intenso a mentol, Lol."
Adoro estas histórias, parecem saídas de um filme mas foi a realidade. Imagino o pânico e o poder de salvação. Obrigada Corina pela história
ResponderEliminarHistórias que de certeza vão ficar para sempre na memória do teu pai. Obrigada por partilhares connosco :) Beijinhos*
ResponderEliminarAcho que eu nem consigo idealizar o sofrimento que terá sido. Ainda assim, ter essa boa disposição para contar os detalhes com humor diz muito de quem passou por tamanhos episódios!
ResponderEliminarO teu pai teve uma ideia de génio :D
ResponderEliminarNem imagino a aflição desses dias e de todas essas situações. E a injustiça que é batalhar para ter algo seu e depois vê-lo confiscado
r: Acredito :)
Tantas histórias dessa altura, muitas sem sucesso, mas essa foi de génio :)
ResponderEliminarO acaso trouxe-me a esta "casa". A estória a que deu "vida" é, também, um pouco minha- "retornado", sim , mas eternamente apaixonado pelo país que diziamos "nosso". Cumprimentos ao pai...
ResponderEliminarAhahahah. O Patife aplaude! ;)
ResponderEliminarGosto das "estórias" que contam quem esteve, viveu, combateu, em Moçambique- Muitas são verdadeiras, outras nem tanto. Muitas são verdadeiras pérolas poéticas.
ResponderEliminar.
* Vivências de Amor - Volúpia Incerta *
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Votos de uma noite de Paz.
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Parece história de um filme! Nem imagino o que as colónias passaram nessas alturas..
ResponderEliminarTHE PINK ELEPHANT SHOE // Ganha um cabaz de novidades da Nyx!
Foram tempos mesmo complicados. O teu pai foi mesmo um génio, fogo :)
ResponderEliminarAdoro quando a realidade supera a ficção. A necessidade aguça o engenho, não haja dúvidas. :)
ResponderEliminarUau, a sério?! Que filme! Grande história, parece mesmo uma cena de cinema :P foi preciso estômago...
ResponderEliminarAdoro este tipo de histórias!
ResponderEliminarAdorei essa história!!!
ResponderEliminarhttp://www.nossomosmoda.com/
Criatividade e frieza. Muito bom!
ResponderEliminarCadinho RoCo
Eu adoro estas histórias, apesar de todo o sofrimento que carregam, são histórias de superação! :)
ResponderEliminarMRS. MARGOT
que ideia fantástica! parece saída de um filme! x
ResponderEliminarMeet me for Breakfast ♥
O máximo!
ResponderEliminarJUST KEEP IT HERE
Que post mais bacana! Gostei da história!
ResponderEliminarBeijo!
Cores do Vício
Uau! É uma boa história. Mas não deixa de ser triste pensar no que tantas famílias passaram... Muitas vezes sinto-me uma privilegiada e acho que temos muito a agradecer por vivermos nums tempos bem mais calminhos.
ResponderEliminarEspectacular!!!!
ResponderEliminarTambém o meu namorado veio de Moçambique :D
Gosto muito deste género de histórias! Ou melhor gosto destas histórias contadas em primeira pessoa de tempos que nós (Graças a Deus) não vivemos mas que os nosso pais passaram!
ResponderEliminarEle foi super astuto para conseguir safar o dinheiro assim!
https://jusajublog.blogspot.pt/
Que história maravilhosa, fez-me rir no final embora só quem passa por isso deve conhecer o desespero! Adorei, muito obrigada pela partilha tão genuína e deliciosamente bem contada!! :)
ResponderEliminarO teu pai foi muito inteligente e corajoso :) Os meus padrinhos e primos tambem vieram assim de Angola, nao quero imaginar o que passaram...
ResponderEliminarMuito bom. Inteligente o teu pai! Gosto destas histórias!
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