Vou-vos contar uma história... Há uns dias no trabalho, estávamos a falar de desportos que praticámos quando éramos crianças. E, a verdade é que, já não pensava nisto há anos!
Eu comecei a praticar ginástica com 4 anos. Ao final de um par de anos, estava a competir... Não fiquem muito impressionados pois não era grande coisa, LoL. Mas os meus pais diziam que eu gostava e tinha amiguinhas lá, por isso, lá continuei.
Contudo, quando tinha por volta de 8 anos, algo mudou. Em vez da equipa de ginástica treinar sozinha no ginásio, comecei a reparar noutras equipas de atletas mais velhos ou de outras modalidades... Comecei a reparar que o treino das outras equipas, era completamente diferente.
Tenho que mencionar que ginástica é um desporto muito difícil, se quiserem ver um pedacinho vejam o filme "Stick it", no qual diz que é mais difícil entrar numa equipa de ginástica de elite do que nos Navy Seals. Tudo verdade! Os treinos são dolorosos e extenuantes...
Além da dificuldade do desporto em si, reparei que as outras equipas não recebiam gritos do treinador; não eram humilhados pelo treinador quando não conseguiam fazer algo; não eram pressionados em posição espargata, por um homem adulto, para obrigar a chegar ao chão... Eu comecei a ver que esse tipo de comportamento não era normal.
Mas como fazia ginástica, era rapariga e tinha 8 anos, era suposto vestir o meu maiô cor-de-rosa e obedecer o meu treinador pois ele supostamente estava a fazer de mim uma atleta.
Um treinador, especificamente de trampolins, viu-me muito possivelmente a observar. Num dos treinos mais leves lá me deve ter chamado e perguntado se queria experimentar... Adorei!
Eu já não era grande coisa a ginástica, esquecia-me das rotinas a meio e a técnica não era grande coisa... Então a trampolins era bem pior, LoL. Mas gostava imenso, treinava e dava o meu melhor, que era a única coisa que o treinador de trampolins pedia.
A certo ponto estava a treinar ginástica e trampolins ao mesmo tempo (além da natação que tinha na escola). Porquê?
Porque eu tinha medo do meu treinador de ginástica. Tinha medo do que ele fosse fazer...
Até ao momento do sarau (que é basicamente um ajuntamento de todas as modalidades daquele ginásio, em jeito de celebração de fim de ano para as famílias dos atletas), levei o meu maiô cor-de-rosa e o equipamento dos trampolins. Não me perguntem como esta situação chegou a este ponto mas lembro-me perfeitamente de ambos os treinadores estarem à minha frente, tenho ideia da minha mãe estar comigo e eu, com 8 anos, a apreciar o meu treinador de ginástica irado porque eu não podia representar ambas modalidades. Dizia que tinha que obrigatoriamente escolher uma!
Então o treinador de trampolins diz que isso não cabia a eles decidir mas à atleta. Lembro-me da minha mãe me perguntar o que queria praticar... O meu cérebro de 8 anos fez assim uma regra 3-simples e muito prontamente escolhi trampolins.
Se o treinador de ginástica estava irado, agora estava fulo e só me lembro de ele sair dali abruptamente como que uma criança que perdeu num jogo.
Continuei a praticar trampolins e a ir a competições até aos meus 13/14 anos, que foi quando o meu treinador se foi embora e mesmo quando mudei para outro, não tinha a mesma confiança por isso desisti.
Apesar de nunca ter chegado a lado nenhum pois nas competições se o meu treinador não tivesse ao lado do trampolim, eu não conseguia saltar direito. Muito provavelmente eu não conseguia aguentar o medo e o stress das competições...
Não pensem que mudei para uma modalidade mais fácil, o treinador era na mesma exigente. Tinha na mesma que usar um maiô (preto, vermelho e branco), treinar vários dias por semana e até nas férias. Mas nas férias praticávamos outras modalidades: atletismo, rugby, futebol, basquetebol, voleibol e até escalada. Para desanuviar dizia ele... Mas tínhamos na mesma que dar 100%.
Outra coisa que me lembro vivamente é que na minha equipa eu era a única rapariga... possivelmente a piorzinha deles todos em termos de comportamento, LoL. Cheguei a ter uma entorse do tamanho do mundo (a minha única lesão, a sério, em tantos anos de desporto de competição) pensando que tinha partido o pé e foi o meu treinador que me levou ao hospital. Porque é que me lesionei? Porque estava a teimar com ele que não conseguia fazer aquele salto em particular (mortal invertido, nunca me esquece) e em pleno salto bati na barra de ferro do trampolim.
Sim, só de pensar, está-me a doer o pé. Porém, quando a minha teimosia vinha ao de cima, ele dizia-me sempre: se não experimentares não sabes, se errares, levantas-te e fazes outra vez. Na verdade dessa vez foi a única vez que correu mal, LoL. Então eu disse (ultra-mega facepalm): eu salto, só para tu veres que eu não consigo!
Mas sem gritar, nunca me humilhou, sempre procurando melhorar-me como atleta e pessoa. Apercebi-me a contar esta historia, que não visto cor-de-rosa desde essa altura. Provavelmente na minha cabeça está associado a abuso e humilhação, que era o maiô que tinha que usar na ginástica.
Isto para dizer o quê?
Demorei a perceber que a relação treinador-atleta não era aquela a que estava habituada, na verdade não conhecia outra até aos meus 8 anos, depois a essa idade foi-me colocada uma escolha.
O que eu quero dizer com isto é que as crianças tendem a ver o mundo de maneira mais simplista, mesmo quando estão perante algo que têm medo ou um abusador ou um bully... Na realidade, temos mais força do que pensamos e pequenas escolhas como: ginástica ou trampolins, pode ficar connosco para sempre.
O que eu quero dizer com isto é que as crianças tendem a ver o mundo de maneira mais simplista, mesmo quando estão perante algo que têm medo ou um abusador ou um bully... Na realidade, temos mais força do que pensamos e pequenas escolhas como: ginástica ou trampolins, pode ficar connosco para sempre.
Conforme fui crescendo sofri de bullying por parte de colegas (o considerado "normal" na altura como brincadeiras de miúdos). Sempre em todas as situações que me lembro, de preferir ficar sozinha do que estar numa situação daquelas. Aquele momento de força ou simplesmente uma visão infantil de uma pequena escolha, ficou para sempre.
Por isso, qual for a vossa escolha, por mais pequena que seja, façam-na com o vosso coração. São felizes? Sentem-se bem? Vale a pena? Basta uma pequena escolha por nós e aos poucos começamo-nos a aperceber que temos valor, seja com ou sem pessoas à volta... desde que estejamos bem e a fazer algo que gostamos .
Por isso, a minha mensagem é, confiem em vocês, tenham força e não usem maiôs cor-de-rosa só porque é a norma. Acima de tudo, sejam felizes.
Tens toda a razão, sem dúvida alguma, acho que as crianças de hoje em dia e os pais também, deveriam ler o teu texto.
ResponderEliminarUm texto muito interessante...
ResponderEliminarHoje:-Sinto, que de saudades, estou morrendo...{Poetizando e Encantando}
Bjos
Votos de uma óptima noite.
Ontem a minha prof de pole e de flexibilidade também partilhou uma história, ela fez escola de dança e é bailarina profissional, teve uma professora russa e um dia, com uns 9 anos foi falar com ela a dizer que não sabia se era boa suficiente, se devia desistir apesar de gostar de dançar ao que lhe foi respondido que talvez devesse desistir (basicamente destruiu a miúda porque foi bruta e super fria). Ela acabou por não desistir mas ficou-lhe na memória...
ResponderEliminarNunca fui a melhor bailarina, pole dancer o que seja mas faço dança desde os meus 13 anos com muita paixão, adoro e não vou parar mesmo não sendo a melhor!
Love Adventure Happiness - há mesmo coisas que marcam... por mais anos q passem. A verdade é q ja nao pensava naquilo ha bue mas q ficou, ficou
EliminarEste teu texto tocou-me tanto... *Sente-te totalmente abraçada, com força de ursinho carinhoso*
ResponderEliminarO desporto é importante, desde criança, mas nunca nos devemos sentir pressionados a fazer algo que não gostamos, a ser mais uma Maria vai com as outras ou aceitar fazer alguma coisa porque é considerado o normal. Muito menos devemos aceitar que nos humilhem, desprezem ou façam sentir que não temos valor.
Infelizmente isso ainda acontece, não só pelos treinadores, mas pelos próprios pais. Graças a Deus, sempre fui totalmente livre de escolher aquilo que queria fazer, sendo que entrei e saí de muitos clubes e desportos diferentes (natação, vólei, dança...), mas os meus pais sempre me apoiaram em tudo.
Obrigada por este texto S2
Beijinho, Fofocas Literárias
Jessinha Cruz - agarradinha a esse abraço de ursinho de peluche! Muito obrigada e sim os meus pais sempre me apoiaram. Só havia muita aquela cena de as meninas têm q comer e calar... felizmente isso ta a mudar
EliminarFoi uma coisa bastante íntima que partilhaste aqui connosco :) e que usaste para dar força a quem deixa que as inseguranças vençam. As crianças são apenas isso, crianças... e alguns adultos são uns abusadores que se aproveitam do facto de elas não conhecerem outras realidades!
ResponderEliminarMeus pais também me meteram na ginástica tinha eu 5 anos. Primeiro ritmica, depois noutra mais complexa, leccionada por uma professora com a "mania" que era alguém. Um tanto agressiva e punitiva. Acho que os adultos não percebem quando uma criança não está feliz com o adulto-autoridade. É-nos dito para confiarmos, aquela era a "melhor" "Stôra" dentro do género, muitas meninas e meninos dariam tudo para estar na aula dela... Mas fui mais feliz na ginástica normal do que na ritmica. Também fui a saraus, com maiô preto, vermelho mas nunca rosa aha. Com saia tutu... e perneiras! Entendo a ira desse teu treinador, porque recordo que quando uma menina faltava a um sarau estragava a rotina toda, era uma calamidade! Lembro também que tinhas de fazer exatamente como te ordenavam e não parar nem depois de abandonar a performance, continuando a caminhar altivamente e no passo até entrar nos balneários. Como era a última da fila, um dia alguém me pediu encarecidamente para levar um boquet de flores à professora e eu lá fui... Ela deu-me uma reprimenda por ter ficado para trás.
ResponderEliminarEnfim. Memórias engraçadas da infância. Meus pais só me metiam em professoras tiranas, dizendo-me que era para meu bem, que eles sabiam o que estavam a fazer, que lhes ia agradecer um dia. Nisso acabei por ter essa condição como parte do quotidiano, e familiarizei-me com esse tipo de trato, achando que não havia escapatória e tinha de me sujeitar a ele. De mau grado mas sujeita à mesma. Acho que ainda hoje é assim.
O teu testemunho é muito interessante. Fizeste o que muitas pessoas no teu lugar não têm coragem de fazer!
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