10 de fevereiro de 2021

Assinado, Morte [opinião SEM & COM spoilers]


(Spoilers estão protegidos aquando visualizado em versão Web mas para conseguirem ver basta selecionarem o texto)

Quero começar por agradecer ao autor por me ter fornecido o livro para eu fazer a minha honesta review e foi, de facto, difícil analisar o livro pois foi uma das primeiras vezes que li um livro com esse propósito, mas como o autor não espera nada mais que honestidade da minha parte... Aqui vai!

Resumindo ao máximo a premissa do livro, seguimos um investigador da Polícia Judiciária enquanto tenta resolver um homicídio, com um narrador extra muito interessante que é a Morte. Nesta opinião, tendo em conta que tentei analisar mais a fundo o livro, esta review vai ter alguns spoilers mas protegidos. Quem quiser ler a opinião toda basta selecionar o texto todo para ficar todo visível. Além disso, como li este livro numa leitura conjunta, em que o trio é extremamente diverso em não só literatura como experiências pessoais e background profissional, foram apontadas outras falhas, além das que vou mencionar no meu post, mas isso deixo para vocês verem na review da Words À La Carte.

Relativamente ao livro, acho que a narrativa é extremamente fluída, às vezes até demasiado. Eu não acredito que estou a dizer isto, mas este livro carece de palha. Estão a ver aquele intermédio onde sabemos mais das personagens, dos sítios, das relações, da história... pois, disso, este livro tem pouco. O que não é necessariamente mau para quem quer ler algo com um desenvolvimento rápido e uma escrita leve. Contudo, o tema do livro está longe dessa leveza, mas como dizia Jack The Ripper, vamos por partes. 

Uma das minhas críticas é, de facto, algumas incoerências. A parte em que o autor coloca medicina à mistura, torci um bocado o nariz. Se isso aconteceu por eu ser enfermeira há quase uma década? Talvez, mas empancou-me algumas vezes. Um exemplo, é entrar em detalhe do porquê da dificuldade no parto de uma das personagens, que eu ainda aceitava, mas os termos técnicos eram desnecessários tendo em conta que o autor não explica o porquê da sua gravidade. Outra situação, é todo um coma diabético que os termos técnicos de nada servem, pois, a situação é um bocado irrelevante para a história. Além, claro, da estadia de uma das personagens num hospital, em serviços errados para a condição do doente, recuperação demasiado miraculosa, entre outras. Quando numas situações temos a procura de termos técnicos, noutras temos como que um desconhecimento do funcionamento de um hospital. É deste tipo de incoerências que eu estou a falar.

Algo no livro que me fez rir um pouco, é o facto de que se eu não soubesse quem era o autor, eu iria saber automaticamente que era um homem, LoL. Há certas e determinadas cenas mais de cariz sexual que uma mulher pode padecer de revirar um pouco os olhos. Não tenho pudor nenhum em ler cenas de sexo, erótica... Gente, eu fui a pessoa que desafiou meio mundo a ler Dino Erotica! O meu problema com as cenas deste livro, é que mesmo que eu não soubesse quem é o autor, ia saber logo aí que é um homem. Aliás, quando falei com o autor, criei todo um desafio (que seria como que um exercício de escrita) de escrever uma dessas cenas na perspectiva da mulher. Se calhar poderiam dizer que as cenas de sexo seriam dispensáveis? Não concordo, o autor colocou-as com um propósito claro e isso nota-se. Apesar do livro não ser nem de longe nem de perto erótica, acho que acabou por alienar muita gente. Apenas tem que trabalhar um pouco essas descrições, mas, como em tudo o que estou a dizer, é a minha modesta opinião.

Outra crítica que faria é o facto de não haver diferença no diálogo. Isto é, no nosso dia-a-dia temos um diálogo diferente quando nos dirigimos a um colega de profissão e quando nos dirigimos ao nosso(a) companheiro(a). Não notei diferenças no diálogo, é como que se o autor mantivesse tudo na mesma linha sem haver variações, o que por si só torna difícil de criar empatia com as personagens. Contudo após falar com o autor, este referiu que o fez com um propósito, por isso anseio ver o que advém daí!

Um reparo que gostaria fazer é por exemplo na cena final, quando efectivamente encurralamos o Amílcar, existe todo um momento clichê/típico/batido de “monólogo de vilão que explica tudo aos heróis para fechar a história com um lacinho”, que não corresponde, de todo, à personalidade apresentada durante o livro. 

Até então, a nossa percepção do Amílcar é a de um psicopata com traços narcisistas, portanto, com estes traços, seria mesmo muito improvável um narcisista se suicidar com uma arma. Ele iria arranjar maneira de se suicidar sendo culpa de outra pessoa, por exemplo, "cop suicide" mas ele tomando essa atitude, sai um bocado do carácter.

Uma coisa que gostei do livro foi o facto de haver dois narradores, o típico narrador omnipresente e... a Morte. Acho que neste campo o autor até podia ter aproveitado ainda mais a ideia e dar asas à sua imaginação. Ter mais comentários da Morte ou análises, incluindo visualmente uma estrutura de texto diferente (em termos de design) ou tipo de letra diferente para o leitor saltar de um narrador para o outro sem quaisquer confusões ou perdas de ritmo de leitura. Ou seja, a meu ver, é todo um elemento do livro que pode e deve ser explorado.

Para dar um exemplo do que o autor podia ter feito, é usar a Morte como alguém que aponta o que está errado com a sociedade, ou até mesmo verdades duras da vida. Exemplo prático: aquando a descrição de Filipa como mulher de carreira e mãe solteira, a Morte poderia aprofundar o pequeno comentário de que uma mãe solteira é considerada algo danificado ou com demasiada bagagem, além, claro, das dificuldades que passam. Resumindo, como disse, aquelas verdades que às vezes custam a ouvir ou a ler, mas a Morte pode dizer isso e muito mais pois "in the end, nothing else matters".

Apesar das falhas apresentadas/vistas/mencionadas, que me impediram de me sentir completamente satisfeita com o livro, a realidade é que tanto o autor como o livro, têm imenso potencial. 

O tema em si, a premissa do homicídio, o "truque de magia" do facto de não ser quem pensávamos quem era, a junção de teologia com ciência, o multiverso e realidades alternativas, a Morte como uma entidade e em parte narradora. Até mesmo as pequenas expressões em latim (que para o leigo ou pessoa não tão conhecedora desta língua, ficaria bem ao autor, colocar uma nota de rodapé ou então colocar uma personagem traduzir para o leitor não se perder na narrativa)!

Em suma, este livro ainda está muito verde: a premissa é boa, a ideia por trás tem imenso potencial mas as descrições falham, o que leva a personagens unidimensionais e a linha temporal não é respeitada.

Quanto à premissa achei que a teoria do multiverso foi bem inserida, com algum fundamento até pois após a conversa com o autor, notei que tinha mesmo lido certos artigos e obras, o que até seria interessante listar durante o livro ou no final em termo de curiosidade para o leitor. Gostei, também, por o autor envolver alguma teologia, dando luz à batalha titânica "ciência vs. religião" que divide mundos quando na realidade tudo poderá estar envolvido, gosto mesmo muito desse tema.

Por isso, acredito piamente que se o autor corrigir estas lacunas que tem, efectivamente, uma grande história! Pois mesmo com estas falhas conseguiu prender-me na sua narrativa tão fácil.


Review em vídeo: IGTV - Assinado Morte

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...


Ou seja: Se um livro tem muita "palha" é um livro sem interesse. Se não tem, deveria ter. Vá-se lá entender isto.,
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Uma semana feliz. Cumprimentos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
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C. disse...

Olá Ricardo, entende-se claro porque se um pouco de palha não estiver lá, como vamos conhecer melhor as personagens, como vamos saber o que as motiva? Como nos vamos ligar à história? É um equilíbrio difícil de encontrar mas é a minha opinião.

Uma semana abençoada.