Este é o segundo livro que leio da autora Madeline Miller. O primeiro foi o atribulado The Song of Achilles, que para quem leu essa review, sabe que foi por uma falha técnica da minha parte que esse livro não se tornou um dos meus favoritos do ano. Isto para dizer o quê? Ora bem, eu já sei que gosto da escrita da autora por isso estava mesmo ansiosa por ler este livro.
Este livro é sobre a filha mais velha do titã Helios (não necessariamente o deus do sol, porque esse cargo está para o Apollo mas é mais como que a personificação do sol... eu nunca disse que mitologia grega era fácil, ok? LoL) e da Perse (uma ninfa dos oceanos, filha ela própria do titã Oceanus). Apesar deste estatuto e pedrigree na sua linhagem parental, Circe é como que alienada, vista como alguém inferior, sendo gozada e até mesmo ignorada.
A aventura deste livro então é isso mesmo, seguindo Circe pela sua vida como divindade... conhecendo os seus medos, os seus amores, as suas traições e, principalmente, a descoberta do seu poder como feiticeira/bruxa.
Claro que, para quem tem um pouco de conhecimento de mitologia grega, reconhece as divindades mencionadas ou até mesmo certas viagens mas o que está verdadeiramente à espera deste livro, é da interacção pela qual Circe é efectivamente conhecida. Ela foi a feiticeira que transforma os homens de Odysseus em porcos e o toma como seu amante. Nesta história épica, Circe é vista como a feiticeira com um objectivo ou com uma faceta vilanesca. Mas a autora, Madeline Miller, coloca a personagem num prisma muito interessante.
Pois Circe é uma personagem relativamente rara na mitologia clássica e nos seus retellings, de existir sem a autoridade masculina... e o que acontece nas viagens épicas a personagens femininas sem terem um marido ou um matrimónio afiliado, são logo objectificadas e vistas como um prémio ou catalogadas como vilãs. Portanto, não nos admira que ela tenha efectivamente os transformado em porcos, não é?
A autora toma completo proveito disto e muito mais! Apesar de eu saber que é "apenas" um retelling escrito por uma pessoa com um extenso conhecimento da mitologia, contudo e porém, fez-me mesmo pensar na narrativa perdida de tantas divindades femininas. No que toca à Circe, sempre foi vista como a vilã na história clássica mas porque aos olhos dos homens, eles podem chegar e tomar aquilo que não é deles. Sentem que é do direito deles pois são homens, independentemente se estão a lidar com uma mulher mortal, uma ninfa ou uma deusa... se essa figura feminina se defende, a mesma é então retratada como uma vilã. Cada vez mais me debruço na procura de uma narrativa diferente, seja em livros ou seja da minha própria cabeça, como exemplifico no vídeo "O que se passa na tua cabeça?"
Relativamente à escrita, achei ligeiramente diferente do The Song of Achilles, ligeiramente mais poética. Ainda sim lindíssima mas lá para o final do livro já estava um bocado saturada dos floreados. Provavelmente estava mais cansada, não sei, LoL. Simplesmente achei que a narrativa estava tão interessante que não precisava de tanto floreado mas, por outro lado, percebo e torna também um livro mais rico assim.
O que torna o livro aliciante, mais uma vez, é a visão extensiva de um vilão, tornando-o num anti-herói mas para saberem mais sobre estas nuances podem sempre ouvir as discussões no "Geekices do Demo" com a Words à la Carte.
Em suma, o livro é muito bom em termos de narrativa, se calhar dei-lhe uma pontuação mais baixa que o The Song of Achilles porque, lá está, me cansei um pouco dos floreados e nunca me consegui ligar tanto a personagem como me liguei com o Patroclus por exemplo. Contudo, não consigo de ver o grande mérito da história a ser contada e principalmente pela sua perspectiva.
Aconselho vivamente se querem ler um retelling ou algo de uma personagem feminina da mitologia grega com uma perspectiva nova!
Já leram este livro ou outro da autora? Gostam de ler retellings de mitologia?